Manuel Coutinho Carmo Bucar Corte Real, SE, M.Ec.

Chefe Departamento de Ciência da Economia da FE da UNTL, Fevereiro-Setembro de 2000, Decano da FE da UNTL, Setembro de 2000 até Agosto de 2006, Inspector Geral do Estado, Agosto de 2006-Setembro de 2007, -Comissario Adjunto da CAC de Timor-Leste (2010 - 2018),
Docente Senior da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nacional de Timor Loro-Sa´e
(Mês de Junho de 2000 até presente, 2023)

O Mundo de Informações

Carta aberta ao Dr. Abílio Araújo

Por Professor Doutor António M. de Almeida Serra
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Caro colega,
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Acabo de ler o artigo de opinião que acaba de publicar sobre o Fundo Petrolífero e que foi reproduzido no blog TimorLorosaeNação.
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Permita-me que discorde de alguns (os principais?) dos pontos que suscita embora concorde (parcialmente) com outros.Antes de mais permita-me recordar que não tenho nem nunca tive qualquer ligação com os governos de Timor Leste e por isso o que aqui disser são apenas opiniões de um colega economista que tem acompanhado a evolução do país desde 2000. E sabe como os economistas adoram divergir uns dos outros...
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O primeiro ponto que penso que se deve salientar quando se fala do Fundo Petrolífero é o de que não é justo falar dele e das normas que o regem com os olhos de hoje, esquecendo as circunstâncias em que ele foi constituído. Recordo apenas que na época (2005) os orçamentos de Estado eram de cerca de 120 milhões de USD e que o rendimento sustentável andava pelos 70 milhões. A anos luz da realidade actual, em que o "rendimento permanente" é de cerca de 400 milhões de USD (396 no ano passado e 407 neste ano).
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Admito, por isso, que se os rendimentos naquela época fossem da ordem de grandeza dos actuais a Lei do Fundo (aprovada antes da subida dos preços do petróleo) talvez (who knows?) fosse diferente, menos "espartana".
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Dito isto, quais as minha concordâncias com o que escreveu e quais as discordâncias?
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A primeira concrdância é a de que (pelo menos aparentemente) foi dada demasiada ênfase à realização de poupanças financeiras para as gerações futuras.Na verdade, o que deveria estar em causa é que as aplicações dos recursos deveriam ser do tipo "despesas de desenvolvimento" que beneficiassem as gerações futuras (e porque não também as actuais?) mesmo que não fossem gastas directamente por elas. Aqui parece-me que houve um erro de análise da situação. Parece que na cabeça de muita gente estava em causa o deixar dinheiro para ser gasto pelas futuras gerações a seu bel prazer quando a ênfase deveria ter sido desde logo na realização (hoje e também no futuro) de despesas que beneficiassem essas gerações.
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Ainda há alguns dias atrás eu retomava esta ideia ao falar aqui e por exemplo, da legislação sobre o fundo soberano do Chade, que numa formulação que me parece mais aproriada, procura reduzir ao mínimo possível o gasto de recursos com origem na riqueza mineral (também petróleo) em despesas correntes, impondo que eles sejam gastos em despesas "de desenvolvimento": infraestruturas, desenvolvimento do capital humano, saúde --- principalmente.
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Considerando, porém, que o Estado timorense não tem, praticamente, outras fontes alternativas de financiamento --- porque, na prática, abdicou delas (desnecessariamente) na última reforma das taxas fiscais ---, uma parte do rendimento do Fundo terá de ser usado para financiamento de despesas correntes. O que há que pensar é se não se deverá impor um limite qualquer a estas, sob risco de a "burocracia" ter "mais olhos que barriga" e gastar consigo mesma uma parte desnecessariamente elevada dos recursos disponíveis.
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Repare, por exemplo, que não havendo qualquer limite a este tipo de gastos pode estar aberta a possibilidade de o Estado (o Governo, qualquer que ele seja) "resolver" o problema da falta de empregos com o "inchar" da Função Pública até níveis desnecessários, dispensando esforços de melhoria de produtividade desta.
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Independentemente de ser pela razão "A" ou pela razão "B", a verdade é que o que determina o "rendimento sustentável" é, naquilo que depende de Timor Leste, a percentagem de "riqueza petrolífera" que constitui tal rendimento. Neste momento é de 3%. O que se pretende para o futuro? Aumentar esta percentagem? É aqui que terá de haver "bom gosto e bom senso", não tendo eu agora e aqui uma fórmula mágica (ou uma taxa) que resolva o assunto.
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Das suas palavras parece duduzir-se que dá pouca atenção aos aspectos de formação de poupança para o futuro. Ora não me parece que seja boa política esquece-los. A herança que as gerações actuais deixarão às gerações futuras terá de ser constituida, por isso, de um "pacote", de estrutura a definir, de "despesas de desenvolvimento" feitas hoje e com repercussão no futuro e algum "pé de meia" que deixe para as gerações futuras fazerem face, com alguma tranquilidade, ao período "pós-petróleo", quando este se acabar --- e olhe que 50 anos passam num instante... (os meus e os seus, pelo menos, passaram... :-).
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Moral da história: concordando que a "herança para o futuro" terá de incluir gastos de desenvolvimento feitos hoje --- mas, sejamos sinceros: acredita que essa não é a perspectiva de qualquer gverno, deste ou do anterior? ---, aparentemente discordamos na proporção entre "capital" (incluindo capital humano) e "liquidez" (o saldo da conta bancária a deixar aos nossos "filhos"... ).
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Curiosamente, a nossa discordância é também noutro aspecto que parece menos relevante porque, de alguma forma, metodológico, mas que em si tem consequências nas opções que sugere: é que me parece, sinceramente, que comete um erro metodológico ao invocar as necessidades de gestão conjuntural da Noruega referidas pelos responsáveis do país como justificação para irem retirar do Fundo de Pensões mais do que o que esperavam.
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Trata-se de um "campeonato" completamente diferente: num caso o que está em causa é a "travessia do deserto" conjuntural e noutro é o processo de desenvolvimento.
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Pode, por isso, justificar a necessidade de aumentar o recurso ao Fundo Petrolífero mas não com este argumento "conjuntural". Até porque utilizá-lo coloca-o numa posição de ter de concordar em que o Estado timorense deverá, dentro de pouco tempo --- 1 ano? 2 anos? --- regressar a uma política de maior poupança de fundos --- porque é isso que os noruegueses farão, não tenha dúvida. É só a crise conjuntural abrandar e vai ver... As suas opções têm, pois, alguma raiz metodológica (errada ou, pelo menos, pouco apropriada ao problema).
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No mesmo sentido joga a invocação da baixa conjuntural da taxa de juro. Quem lhe garante que daqui a 2-3-4 anos não estaremos novamente nos níveis de taxas que conhecemos até meados do ano passado? Mais uma vez, é um dado "conjuntural", que dificilmente justifica decisões "estruturais".
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Enfim, concordo consigo de que se está na altura de discutir a Lei do Fundo Petrolífero mas não me parece que seja avisado faze-lo no quadro das eventuais diferenças políticas entre grupos. O assunto é demasiado importante para ser "fulanizado" e ser reduzido ao nível de um "Benfica - Sporting"... Creio que, graças à experiência adquirida até agora, os consensos sobre o assunto são mais fáceis do que poderá parecer à primeira vista.Oxalá não me engane. Até porque não se trata de cozinhar bacalhau --- em que há 1001 maneiras de o fazer... Aqui não.Um abraço! E desculpe a ousadia de lhe escrever por esta via. Mas é do debate que pode nascer a luz. Foi isso que me moveu. Nada mais.
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